Pular para o conteúdo principal

COVID 19 e a possibilidade de retorno às aulas: garantia ou violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente? - Etelma T. de Souza


Em matéria veiculada pelo portal G1 em 14 de julho de 2020 (disponível em: https://glo.bo/3j8rQb5), o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, apresenta dados sobre a COVID- 19 e aponta algumas perspectivas.

Para ele, as mortes por COVID – 19 podem permanecer em patamar elevado até 2021 e o ideal seria termos isolamento social na taxa de 70%.

O Estado de SP, hoje, tem uma taxa de mortalidade de 300 óbitos por dia.

No dia da matéria, terça-feira, tivemos 417 mortes em 24 horas em SP e 12 mil novas notificações.

Em uma semana, foram 53.899 casos novos (média móvel de 7.700 casos novos por dia).

Em 7 dias, SP teve 1.849 mortes.

Houve ligeiro aumento na taxa de ocupação de leitos de UTI.

É nesse contexto que o governo do Estado prevê retorno gradual das aulas presenciais a partir de 08 de setembro para cidades que estiverem na fase amarela. Dentre essas, a capital.

Porém, embora o governo tenha elaborado um plano de flexibilização para o Estado, especialistas são contrários ao retorno às aulas presenciais.

Eduardo Massad, matemático, professor titular da Escola de Matemática Aplicada da FGV, participou de debate com o diretor do Butantan.

De acordo com a matéria do G1, para Massad “não estamos em bom momento para reabertura de escolas”. O professor diz que isso não deve ser feito em setembro e apresenta alguns dados e projeções sobre o que aconteceria em caso de retorno às aulas.

Segundo Massad, hoje temos 500 mil crianças com o coronavírus no Brasil. Ele prossegue dizendo que, se as aulas retornassem em agosto, teríamos 1.700 novas infecções e 38 óbitos.

Depois de 10 dias de aula, o número dobraria e, após 15 dias, quadruplicaria.

Por meio de fórmulas matemáticas, ele ainda afirma que podemos saltar de 300 mortes de crianças abaixo de 5 anos para 17 mil mortes até o final do ano.

Precisamos atentar às projeções feitas pelo professor Massad e ao que dizem especialistas em geral.

Assim como, também devemos ficar atentos aos índices diários de novos casos, ocupação de leitos em UTI e mortes.

No portal do governo do Estado (https://bit.ly/2B4qj4P) está registrado que temos 18.640 óbitos e 393.176 casos confirmados do novo coronavírus em SP (acesso em 16 de julho, às 2h).

Em 636 municípios houve pelo menos uma pessoa infectada, sendo que em 418 houve um ou mais óbitos. Lembremos que são 645 municípios paulistas.

Embora a maior taxa de mortalidade esteja entre os idosos, crianças e adolescentes também são acometidos pela doença e vêm a óbito.

Os números referentes às pessoas que têm entre 0 e 18 anos de idade só não é maior exatamente porque, dentre outras medidas de distanciamento social, elas não estão frequentando a escola. Dessa forma, não são vetores em massa de transmissão do coronavírus.

Manter a população dessa faixa etária em casa, em tempo de pandemia, significa garantir o direito fundamental à vida e saúde de crianças e adolescentes.

Dessa forma, se as escolas forem reabertas, o direito fundamental à vida e saúde de crianças e adolescentes estariam sob risco de serem violados e, até mesmo, violados de fato, haja vista a exposição a crianças e adolescentes infectados.

A educação também é um direito fundamental da criança e do adolescente e, nesse momento, está sendo violado pelo Estado.

Isso porque o Estado não está cumprindo com seu dever de garantir esse direito fundamental, haja vista que as condições e exigências para realizarem as aulas online não permitem que a totalidade dos estudantes das escolas públicas participem efetivamente e consigam cumprir com todas as atividades propostas.

São muitas as dificuldades enfrentadas por estudantes das escolas públicas e, mais ainda, por aqueles em situação de vulnerabilidade e moradores de periferias.

Professores, estudantes e seus familiares descrevem as dificuldades com as aulas durante a quarentena.

Professores dizem que não foram preparados para essa nova realidade, que faltou treinamento para aprenderem a lidar com as novas ferramentas para as aulas online, que têm dificuldade em adaptar conteúdos. Além dessas e outras dificuldades como falta de equipamentos, por exemplo, para gravar aulas, os celulares pessoais dos professores acabaram se tornando ferramentas de trabalho.

Os estudantes têm problemas com acesso à internet, falta de computadores ou até mesmo de celular para assistir as aulas. E isso, não apenas nas regiões mais pobres das cidades. Acontece também na zona rural.

Profissionais da área da Educação relatam que o sistema implantado pelo Estado para aulas online, não pode ser chamado de educação à distância – EAD.

Para Mauricio Canuto, professor no Instituto Singularidades, o que está sendo feito pelas escolas “é um regime emergencial de ensino remoto”.

O professor completa dizendo que “não é uma situação estruturada: faltam equipamentos, não há acesso à internet, as pessoas não dominam as tecnologias digitais. A EAD pressupõe que todos estejam conectados e integrados” (Leia mais em: https://bit.ly/3fCgnP4).

Enfim, existem diversas dificuldades e problemas relacionados às aulas online oferecidas pelo governo de SP, os quais estão relacionados, principalmente, à forma como foi implantada e está sendo administrada essa suposta educação à distância.

Compreendemos que é situação emergencial, porém, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos fundamentais e prioridade absoluta.

Ao pensar qualquer plano para esse público, seja ou não emergencial, os governos precisam se atentar aos princípios da proteção integral preconizada no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e elaborar as ações de acordo com as linhas de ação e diretrizes para traçar políticas públicas que estão bem definidas no ECA.

Outro fator muito importante é atentar para a realidade de nossas crianças, adolescentes e suas famílias.

O Estado tem o dever de oferecer as condições necessárias para que sejam cumpridas todas as exigências referentes ao direito fundamental à Educação (ver a partir do artigo 53 do ECA). Quando deixa de fazer isso, o Estado se torna violador desse direito fundamental.

É o que está acontecendo nesse momento. Aliás, o governo de SP é violador desse e outros direitos fundamentais há muito tempo, mas, vamos nos ater ao período pandêmico, onde apareceram outras violações e parece ter ficado ainda mais evidente que nosso governo estadual não tem qualquer compromisso com a Educação.

Alerto para o fato de que, se as escolas forem reabertas em setembro, o direito à educação também continuará sendo violado. Não só à educação, mas outros direitos também.

A previsão é que os estudantes retornem às escolas em sistema de rodízio e as aulas sejam intercaladas entre presenciais e online.

Entendo que, dessa forma, a mudança mais substancial que teríamos com esse retorno seria apenas a exposição de crianças e adolescentes ao coronavírus.

Há que pensarmos nas motivações, inclusive ocultas, que possam levar o governo a planejar esse retorno, principalmente quando vemos profissionais e especialistas na área da saúde, epidemiologia, educação e outras áreas afins, recomendando que não haja retorno das aulas.

A pressão feita por donos de escolas particulares para a reabertura não terá alguma influência sobre essa decisão?

Recentemente, Ademar Pereira, presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares - FENEP, em entrevista à Folha de S. Paulo, disse que “a escola pública já tem diversos problemas, uma série de questões que foram acumuladas ao longo dos anos. Não podemos ser colocados na mesma situação e esperar que elas tenham condições para que nós possamos reabrir” (link para a entrevista: https://bit.ly/2WsxBXA).

As violações dos direitos fundamentais da criança e do adolescente acirra as desigualdades sociais.

O Estado tem papel fundamental na garantia dos direitos, o que se faz mediante a implementação de políticas públicas de atendimento e políticas de assistência social, que visa a proteção social de cidadãos que delas necessitem. As políticas da assistência social têm por objetivo, dentre outros, reduzir a desigualdade social.

Ao violar o direito fundamental à educação e outros direitos, seja com a forma como as aulas estão ou não acontecendo durante a pandemia, seja com o planejamento do retorno às aulas, além de o Estado estar deixando de cumprir seu papel constitucional no que concerne às políticas sociais, o Estado também contribui para aprofundar as desigualdades sociais. Assim como, representantes de escolas particulares que pressionam por retorno às aulas.


 

 

 





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Da doutrina da situação irregular à doutrina da proteção integral - Etelma T. de Souza

Nesses tempos em que a grande mídia e seu séquito explora cada vez mais a inimputabilidade penal fazendo parecer que adolescentes são responsáveis pelo maior índice de violência, quando sabemos que não o são, quanto mais informações a respeito da legislação vigente, melhor amparados estarão aqueles que defendem o ECA - Estatuto da Criança e do adolescente.           Pensando nisso, resgatei material de apoio à capacitações ministradas por mim e reproduzo aqui.           Vamos comparar as legislações específicas para essa população, abordando o malfadado Código de Menores, vigente até 1990 e o ECA, promulgado a 13 de julho de 1990.           Pretendo com isso, levar à reflexão e percepção dos preconceitos incutidos na legislação anterior e até hoje reproduzidos por parcelas de nossa sociedade.           Boa leitura!                     Começaremos pelo conceito de doutrina: ü   Doutrina o    “no mundo jurídico, entende-se como doutrina o conjunto de produção teórica elabor

Políticas públicas para crianças e adolescentes e fiscalização do Consel...

Dentre as atribuições do Conselho Tutelar está a de fiscalizar a execução de políticas públicas. Nessa conversa, eu e Daniele Rebelo, falamos sobre esse tema.

ECA 30 anos: avanços e retrocessos

ECA 30 anos: avanços e retrocessos, já está disponível no Youtube. Aproveite para deixar sua curtida e se inscrever no canal. Lembre que o "Desmistificando o ECA" vai ao ar toda quinta-feira, às 19h. Esperamos vocês por lá. https://www.youtube.com/watch?v=OTBCCz5306w